2ª Edição

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Boa Leitura !
André

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O Senhor do Tempo (07 e 08 de Janeiro)

dia 07 é dia de muito trabalho. Logo cedo, ainda na pseudo escuridão da curta noite antártica (agora pelo menos o sol se põe por algumas horas), os pinguins dormem na praia, incomodados apenas pela minha pentelhice fotográfica.


A maioria das coisas no Brasil voltam a funcionar hoje, depois da prolongada virada do ano. Aqui não é muito diferente e começamos com um dia e tanto de trabalho. Café da manhã as 07:30 hs e o corre-corre para se aprontar para uma coleta no meio da baia, com bote, água de fundo e superfície e mais rede ao longo da coluna d'água. Parece simples mas não é, principalmente com as condições do tempo.


A foto ao lado, mostrando Priscila contra o sol coletando com a rede no meio da baia, traz uma informação importante: as nuvens bem altas e em forma de gaze no céu. Elas indicam ao mesmo tempo um dia claro e calmo, mas o preambulo de tempo ruim nas próximas 24 horas. Portanto o negócio é acelerar o trabalho



Logo depois dessa faina de coleta, trocamos de bote e partimos para re-visitar a enseada Ezcurra, dessa vez com o objetivo de entrar o máximo possível até a calota de gelo no fundo da baia. Na Pilotagem Santos, Rosinha e Priscila nas coletas, e eu de proeiro. Ao contrário da última vez, o "lugar mais lindo do mundo" estava completamente aberto e sem gelo.


Paramos logo na entrada da enseada, próximo a uma coluna de gelo que se fraturava e quebrava em milhares de blocos sobrepostos, como uma parede intransponivel e instável, prestes a desabar. Esse lugar é a conhecida "ice fall" da geleira Lange. A praia era curta e com grandes matacões, resultado da regressão da geleira.


A quantidade de organismos ali e algas era impressionante. A foto ao lado mostra o resultado de uma passada de rede na praia, poucos metros apenas. Centenas de pequenos crustáceos avermelhados se movimentam dentro do vidro. Ao fundo, estou na segunda passada de rede para coletar mais organismos que utilizaremos na nossa pesquisa.


Coletamos nosso material ali, não tão rápido quanto eu deveria e em poucos minutos meus pés e mãos estavam congelados, pois mesmo com a roupa especial, o "sapão", a umidade e um pouco de água à 1,5ºC, começaram a gelar os meus ossos. Deitei um pouco na praia para recuperar o calor debaixo do sol, enquanto Rosinha, Priscila e Santos tiravam fotos das redondezas. Uma barra de ceral e um pouco de água foram providenciais e me fizeram recuperar o fôlego e o calor interno, e em poucos minutos estávamos novamente a caminho, dessa vez para o fundo da enseada Ezcurra. Chegamos bem perto da última fronteira de gelo, também bastante fraturada com blocos imensos perto de uma praia bem ao fundo da baia com muita lama e a água bastante turva devido a lama do fundo. De imediato vimos que não havia muito material para coletar ali e decidimos correr para a "cachoeira" de Monsimet Cove: uma pequena enseada próximo a Ilha Dufayel, e que da última vez não conseguimos entrar porque estava recoberta de gelo.



[ Mosaico de Monsimet Cove e passando a rede no baixio entre a cachoeira e a praia. Foto by Rosinha ]




O local era um baixio, com água pela cintura, uma linda cachoeira de degelo ao fundo e várias aves marinhas (gaivotões e sternas) se alimentando. Logo ao chegar nos assustamos com um fundo raso com pedras enormes, e algo me chamou a atenção: pequenos pontos brancos sobre uma pedra e umas conchas no fundo. Com um pouco mais de atenção, percebemos vários briozoários (animais microscópicos que formam as manchas na foto abaixo), e um pequeno caramujo bem parecido com a litorina que temos no Brasil.

Depois de mais de duas horas de amostragem, começamos a retornar para Ferraz, com o tempo já ficando um pouco alterado. Na chegada, só deu tempo de largar as coisas e comer algo, mais uma amostragem no meio da baia estava prevista e tivemos um pequeno e rápido encontro com uma foca leopardo sobre uma placa de gelo (dessa vez, os 3 tripulantes cabeça-de-vento esqueceram as máquinas), e graças a Deus, parecia que ela estava de barriga cheia e não nos incomodou. A noite veio rápido e o tempo práticamente fechou. Ventos fortes de leste começaram a soprar na baia e rapidamente pequenas ondas se formaram. E o Senhor do Tempo (meteorológico) despejou neve e rajadas sobre nós.




Acabei indo dormir por volta de 01:30 hs depois de processar todo o material do dia, já sabendo que teria que acordar as 04hs da madrugada para guarnecer o posto de proeiro da coleta da Priscila, mesmo que ela não ocorresse por causa do tempo.







Então....o dia 8 de janeiro veio com toda a ira do Senhor do Tempo. Passei praticamente das 4hs até o café as 07 hs na sala de estar, conversando e comendo, e vendo as ondas de mais de 1 metro baterem com força nas chatas de água e óleo ancoradas na praia. Segundo a meteorologia, os ventos chegaram a mais de 100 km/h no meio da manhã. Com esse tempo, os lugares mais concorridos da estação foram a cozinha e os camarotes. Quando não se dorme, come-se muito.



Por volta do meio-dia, encaramos (Geraldo, o Alpinista, e eu) esse vento de lado para medir as ondas em Punta Plaza. Pode parecer frio, mas na verdade, com o ritmo de caminhada e as várias camadas de roupas, voltamos encharcados de suor.





E assim o dia foi passando, com várias sessões de ataque a geladeira, chás quentes e conversas. O único highlight da tarde foi uma ida minha ao fundeio da Priscila, na tentativa de resgatar o que sobrou de uma das bóias. O mal tempo destruiu parte da estrutura e jogou uma das bóias na praia. Pensei que pudesse retirar tudo da água mas as ondas estavam realmente fortes e altas. Com água pela cintura, consegui laçar a bóia que sobrou quando de repente uma parede de água um pouco maior que a minha cabeça simplesmente entrou pela praia. Foi literalmente uma "vaca antártica" rsrsrs e imediatamente lembrei do Cod Maverick, o pinguim surfista do filme "tá dando onda". Ai se eu tivesse uma prancha rsrsrs. Brincadeiras a parte, o banho foi fenomenal, e muita água (mas muita MESMO) entrou no sapão ! meio geladinha, né ?!



Desistimos de tirar o fundeio pelas condições do tempo e voltamos para a estação para que eu me secasse. Pelo menos valeu por ter ganho uma boa tassa de chocolate quente da Rosa. E então o resto do meu dia foi de descanso. Merecido ! e agora vou dormir pois as 4 da manhã estou de guarnição novamente no posto de proeiro para uma nova coleta.



Boa noite antártica a todos.

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